Corpos enterrados sem nome
Geladeiras quebradas: as câmaras de resfriamento e conservação de cadáveres estão quase todas sem funcionar há tempo. Apenas uma está ligada e só comporta dois corpos
Reforma anunciada: do lado de fora do prédio, na Avenida Leste-Oeste, uma enorme placa anuncia a reforma. A reconstrução pode se arrastar por mais de um ano (Foto: Adriana Pimentel)
A falta de geladeira para manter os cadáveres até serem identificados obrigou a direção do órgão a sepultá-los
Pelo lado de fora, um prédio imponente, de arquitetura arrojada, de frente para o mar. Mas, do lado de dentro, podridão e abandono. Esta é a real situação do atual Instituto Médico Legal Doutor Walter Porto, de Fortaleza. Por conta da falta de geladeiras para o armazenamento dos cadáveres de indigentes, a direção do órgão adotou uma medida drástica: para não acumular os corpos no necrotério, e ali entrarem em estado de decomposição, estes estão sendo enterrados rapidamente, sem qualquer tipo de identificação.
O fato tem provocado constrangimento e revolta nas famílias que perdem seus entes queridos e não conseguem localizá-los antes de serem enterrados na vala comum em um cemitério público da periferia sul da Capital.
Na semana passada, a reportagem do Diário do Nordeste apurou junto aos funcionários do órgão que apenas uma das três câmaras (geladeiras) que existem para manter os corpos dos indigentes está funcionando. Mesmo assim, ela só comporta dois cadáveres.
“Não estamos mais esperando as famílias aparecerem. Quando a geladeira está com dois corpos, logo é providenciado o enterro. Os corpos são enterrados no cemitério do Bom Jardim. Não há outra coisa a fazer, infelizmente”, revela um dos servidores.
Os enterros deixaram de ser coletivos - aqueles em que vários corpos são levados para sepultamento numa só vala. Agora, corpos de indigentes são mandados praticamente todos os dias para o cemitério público do Bom Jardim.
A informação foi obtida com exclusividade pela reportagem com a promessa de não identificar os funcionários. Eles temem sofrer represálias - como já aconteceu em oportunidades anteriores. Se forem identificados, são chamados para responder processo disciplinar na Secretaria da Segurança Pública e sindicância na Corregedoria Geral dos Órgãos de Segurança Pública. A possibilidade de serem demitidos os obriga a se manterem no anonimato, embora convivendo, todos os dias, com a desestrutura do órgão e enfrentando riscos de contrair doenças graves.
Já as famílias daqueles que morrem nas ruas, em casa ou hospitais e que não são identificados, correm sério risco de não encontrá-los nunca mais. Nem mesmo terão o direito de enterrá-los dignamente.
Quebradas
A reforma do IML deverá ser iniciada no próximo mês. O prédio, que há anos sofre com problemas nas suas instalações, como infiltrações, banheiros danificados, câmaras, para armazenar corpos, quebradas, entre outros problemas, terá sua estrutura física totalmente modificada, assim como todas as instalações elétricas e hidráulicas. Esta é a promessa do Governo do Estado.
O processo licitatório para reforma do IML e os demais órgãos que funcionam em seu entorno, como Instituto de Criminalística (IC), conforme a Secretaria da Segurança Pública, está em fase de conclusão e o custo da obra dever ficar em torno de R$ 8 milhões.
De acordo com o gerente-geral da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), Maximiano Chaves, durante o período de reconstrução do IML, estimado em 12 meses, os atendimentos serão realizados em outros locais.
Apenas o local em que serão feitos os exames de necropsia já foi escolhido. Segundo Chaves, todos os funcionários e a estrutura utilizada para análise dos corpos vítimas de mortes violentas serão realocados no Serviço de Verificação de Óbito (SVO), do Governo do Estado.
O órgão está situado em Messejana por trás do Hospital do Coração e recebe corpos de pessoas cuja causa da morte tenha sido ´natural´ (vítimas de doenças ou fatores ignorados).
Os funcionários do IML afirmam não saber se a estrutura do SVO conseguirá atender à sua própria demanda, Levando em conta que o IML recebe diariamente uma média de 12 corpos para serem necropsiados, Sem contar com feriados prolongados, como por exemplo, os dois últimos que corresponderam ao Natal e Ano-Novo, quando mais de uma centena de cadáveres chegaram ali.